segunda-feira, 12 de abril de 2010

Um problema para o DeLorean

De Leandro Iamin



Este é o DeLorean, carro protagonista da trilogia De Volta para o Futuro.

Através dele, uma das mais famosas ficções do cinema mundial viaja pelo passado e também pelo futuro, correndo assim o risco de ter o presente modificado, o que poderia ter consequências trágicas ou cômicas.

O DeLorean que volta e avança no tempo foi invenção do cientista Dr. Emmett Brown, que teve como assistente o sagaz garoto Marty McFly. Esta dupla provavelmente será chamada pela CBF e pelo Clube dos 13 nos próximos dias, com uma missão espinhosa.

A Taça das Bolinhas, afinal de contas, deverá ir para um novo destino: Gávea ou Morumbi. Atentos à escolha, a torcida do Sport Recife quer ver a taça em São Paulo. Já o Mengo a quer para si, como se isso fosse resolver a questão: afinal, quem é o Campeão Brasileiro de 1987?

Eu tenho uma sugestão.

Uma vez decidido o destino da taça, chamamos Dr. Brown, e viajamos de volta para o ano de 1987. Quando chegarmos lá, é só dar um jeito de impedir que uma das torcidas comemore, que uma das massas se considere campeã nacional.

Se o troféu da discórdia for parar nas mãos do Flamengo, será preciso, também, voltar ao carro e partir apressado para 2007, com a missão de tirar dos corações sãopaulinos a sensação de que eles são os "primeiros pentacampeões".

Porém, se o novo endereço da taça for na zona sul paulistana, aí o trabalho da turma do Spielberg se concentra em 1987: será preciso apenas dar garantias de exclusividade à torcida do Leão, quem sabe fazendo uma camisa "Campeão único de 87".

Ironia, claro

Decisões engravatadas não vão adiantar. Decidem o endereço de uma taça física, mas não redefinem a realidade de uma conquista sentimental. Torcedores de Flamengo e Sport comemoraram como campeões nacionais.

As duas torcidas possuem motivos para isso. Seus argumentos são válidos. Suas festas foram respaldadas pela opinião pública, pelo povo ao seu redor. Não há como voltar no tempo e alterar esta realidade.

A consciência e a razão não são assim tão mecânicas. É possível dois lados opostos terem convicções opostas, e ambas estarem certas.

Ainda que decidam, em 2010, que algum dos Nacionais de 1987 simplesmente não existiu, e que os supostos participantes da "farsa" estarão rebaixados para a oitava divisão, quem gritou "é campeão", gritou com razão. E não há o que desfaça isso.

Nem o DeLorean de Dr. Emmett Brown.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Várzea: E que Golaço

Recomendo o texto abaixo do amigo Kadj. Um conto que retrata o "outro" futebol muito bem.

de Kadj Oman

Passou a bola pro meia-direita e gritou, "devolve". Recebeu, perto da linha de fundo. "Vai cruzar", é o que todo mundo pensa, sempre. Não cruzou. Cortou pra dentro, conseguiu algum ângulo pra chutar, mesmo que de pé esquerdo. Foda-se. Desceu o cacete na bola e ela entrou no cantinho, raspando a trave. Um golaço, que todos os outros dez espectadores favoráveis ao seu time - o resto dele - aplaudiram com fervor. Uma pena que não tivesse sido num Maracanã lotado, com certeza entraria pros gols mais bonitos da rodada, quiçá do ano. Mas ele sabia que era assim, futebol de várzea, de verdade, não tem torcida, quase nunca. Nem arquibancada tem, muitas vezes. Sem falar do uniforme, cada meião de uma cor, um azul, outro preto, o goleiro sem luvas. Pra quê tudo isso? Era tanta parafernália naqueles jogos do futebol profissional que ele não suportava nem pensar em uma câmera ali filmando, nem que fosse daquelas Super-8 antigas. Quem tinha visto o golaço tinha, quem não tinha, nunca mais.


Era assim todo sábado. Quer dizer, ele não fazia gol sempre, muito menos golaço, que lateral-direito só de vez em quando tem uma chance de marcar. Mas todo sábado ele saia de casa carregando o jogo de camisas pra encontrar os outros dez, que quase nunca eram os mesmos, e ir pra algum campinho de várzea dos que ainda existiam na cidade. Na verdade, imaginava, essa coisa de dizer que os campinhos sumiram não é assim tão verdade, as pessoas que não procuram mais direito. Em dois meses eles já tinham conhecido cinco diferentes, só ali pelo bairro. "Vai ver ninguém tem mais tempo pra jogar bola", pensou, e também todos esses prédios e carros, condomínios privados, a molecada vive agora é no cimento, futebol de salão. Isso quando não prefere gastar o tempo que tem vendo jogo pela TV, desses profissionais. Algo que ele não entendia.

Os narradores eram ruins, cegos, burros. Os comentaristas mais pareciam gravadores, repetiam sempre a mesma coisa, tem que jogar pelas pontas, correr atrás do prejuízo, onde já se viu. Trabalhava tanto pra fugir do prejuízo e vinha uma anta daquelas dizer pra correr atrás. Se fosse um "Desafio ao Galo", quem sabe, aquilo sim era divertido. Futebol profissional não, era demais, preferia mil vezes voltar pra casa enlameado por causa da chuva no campo de terra batida do que assistir aquele monte de propaganda em tudo quanto é canto, camisa, meião, chuteira, até na luva do goleiro. É claro que quando criança sonhava em jogar nos grandes estádios do mundo, Maracanã, Pacaembu, quem sabe um San Siro ou um Camp Nou, Monumental de Nuñez. Mas imagina só, dar entrevista pra esses repórteres altamente idiotas, ia acabar passando por antipático. E aguentar jogador estrela então, nem pensar, marmanjo querendo dar uma de madame não era com ele mesmo. Aquilo não era mais jogo, era um circo, futebol mesmo estava na várzea, tinha certeza.


É claro que, bem, dentro do time ali também existia uma relação de poder, ele sabia. Não era por acaso que o meia-direita habilidoso preferia às vezes não tocar pra ele, mesmo que estivesse livre. Sabia que era considerado inferior dentro do jogo, que cobravam mais dele do que confiavam. E aguentava quieto, porque estava feliz em jogar, apesar de incomodado às vezes, não era pra ser assim. “Será que até aqui aquele bando de propaganda sobe na cabeça da meninada”, pensava, devia ser isso, eram todos muito novos e muito enfiados em casa, assistindo aqueles comerciais. Mas não era por mal, eram bons meninos, companheiros, mesmo que na hora das faltas cada um deles se sentisse um Beckham. Beckham, vê se pode, olha quem eles tem como exemplo de batedor de faltas, nunca tinham visto um Zico, um Rivelino.

É, ele também não tinha, mas seu pai sempre contava, e ele escutava, e via os videotapes da Copa de 70 como quem assiste a uma obra-prima da humanidade, uma das sete maravilhas do mundo. Era aquilo que ele tinha na memória, mesmo que fosse uma memória de algo que ele nunca viveu, pelo menos não presencialmente. Uma história que ele escutou e recriou como sendo sua, e quem pode dizer que não era? Conhecimento se faz assim, de pai pra filho, de história em história, a tal da sabedoria do povo, não com essa coisa de tira-teima, "eu vi, pai, eu vi, dez centímetros impedido", nada disso.

Imagina se um treco desses mostra que quando o meia-direita devolveu a bola ele estava sete centímetros na frente do último zagueiro? Não, aquele gol era dele, só dele e de quem tinha visto, nenhum aparelho eletrônico podia mais tirar, um a zero aos trinta e cinco do segundo tempo, e que golaço. Colocou a camisa pra dentro do calção de novo, enxugou o suor da testa, olhou pra arquibancada convencido de que qualquer um dos 150 mil espectadores ausentes teria dito que aquele gol tinha valido o ingresso.


E foi marcar o ponta-esquerda.

Verdade Paraibana

(não sei quem é o autor)