segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Histórias de Love

O artilheiro do amor que acaba de voltar ao meu Palmeiras me emocionou. No dia da confirmação, confesso que caíram duas lágrimas, uma de cada olho, enquanto comia um pão matinal.

Lembrança com afeto de um tempo bom que vivi. Era meu primeiro ano como universitário, um momento de maturidade, descobertas, mas de Palmeiras na Segunda Divisão.

Fui a quase todos os jogos daquela campanha. Sempre sozinho. Ingressos a 5 reais comprados numa peixaria no Mercadão da Lapa. Protestos contra a diretoria, noites na rua, 2x7 pro Vitória em casa, discussão com Oberdan Cattani.

Seja lá como for, isso tudo foi gostoso e estava debruçado na arquibancada, no primeiro degrau, quando Vagner Love deu, de cabelo colorido, a volta olímpica com a Taça na mão.

A relação com Love é de carinho. No momento mais difícil, aquele menino deu folclore e qualidade, auto-estima e gols. Mas minha relação com Vagner Love vem de antes.

Meu primo se tornou jogador de futebol. Em 2002, ele era juvenil da Portuguesa. Fui ao Canindé vê-lo jogar. Palmeiras x Portuguesa. No jogo preliminar, feito pela categoria mais velha, Vagner estava no banco.

A Lusa foi pro intervalo vencendo, 1x0. Entrou o moleque, camisa 17. Em 15 minutos, ele marcou dois gols. 2x1. O time que tinha Alceu como capitão, tinha também um destaque no banco.

Alguns meses depois, veio a Copa São Paulo de Juniores. Eu passava férias em São José dos Campos, onde o Palmeiras jogou a primeira fase da competição, em 2003. Fui aos jogos, claro.

Na rodada final, era preciso ganhar por 5 gols para classificar. E Vagner não estava em campo. Ninguém no estádio podia supor o motivo do craque alviverde estar de fora. Nem no banco.

Chega o intervalo, e descubro que Vagner está, todo de preto, nas cadeiras do estádio. Vou até lá. Ele dá autógrafos para uns garotos. Eu não quero assinatura.

-Vagner, porque você não está jogando?

O atacante me olhou, fez cara de dor, colocou a mão na coxa, e sentenciou.

-Panturrilha, cara.

Mais tarde, chegando em casa, assisti perplexo o diretor de futebol Márcio Araújo contando a versão oficial da "contusão" de Vágner. Uma contusão que lhe deu o apelido eterno de Vágner Love.

Ele mentiu pra mim, mas gosto dele de verdade.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Qual conclusão se tira?

Estes são os números dos jogos do final de semana, pelas Ligas Nacionais na Europa, em comparação ao Brasileirão.

Nosso futebol é o mais violento do mundo? Ou são nossos árbitros que usam o cartão de forma doentia?



Campeonato Inglês
29 amarelos, 0 vermelhos, 0 expulsos

Campeonato Alemão
24 amarelos, 0 vermelhos, 0 expulsos

Campeonato Francês
33 amarelos, 0 vermelhos, 2 expulsos

Campeonato Turco
45 amarelos, 0 vermelhos, 1 expulso

Campeonato Português
35 amarelos, 0 vermelhos, 1 expulso

Campeonato Holandês
37 amarelos, 0 vermelhos, 1 expulso

Campeonato Brasileiro
58 amarelos, 4 vermelhos, 9 expulsos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

E se fosse ontem? - SANTOS MÍSTICO E DEDO-DURO

(Trata-se de uma ficção. O que aconteceria se fatos atuais acontecessem em outra época, quando a história, as lendas e os folclores eram criados com mais frequancia que hoje?)

Foi uma época estranha, aquela do Santos FC. Na esteira da década de 50, onde o clube praiano começava a montar aquele que foi o seu maior time de todos os tempos, um caso curioso incomodou todos os diretores.

Havia alguém passando informações internas para os jornais. Um "dedo-duro". Notícias de bastidores, papos de vestiários, intrigas e balões de ensaio, tudo saía no jornal e ninguém sabia de onde vinha.

Quando o treinador santista esbravejou publicamente e prometeu caçar o responsável por aquilo, um jornal da região deu a manchete: "DEDO-DURO SANTISTA É ALVO DE CAÇA". Isso explica, naturalmente, que no jogo seguinte, contra a Ferroviária em Araraquara, a torcida do Santos tenha ensaiado um canto de "deeeeeedoooo".

Essa é a explicação para o apelido santista, que perdura até hoje.

Mas isso não foi tudo, claro. Os dedo-duros praianos foram o centro de outra grande polêmica. Tudo porque um volante foi afastado do time, provavelmente por motivos de curandeirismo. Um pai-de-santo havia dito que era ele o problema da falta de harmonia espiritual do plantel.

O jogador ficou marcado por isso, chegou a ser marginalizado, e o Santos, então, virou piada por esta estranha e mal contada história. Seja como for, dias após o afastamento, chegou na cidade o menino Edson Arantes do Nascimento. O inigualável Pelé, que, nos primeiros relatos jornalísticos com a camisa branca, era também citado como o "Craque Místico", numa insinuação de que seu futebol devia-se à depuração espiritual santista.

Para completar esta fase santista, não podemos nos esquecer de um lateral-direito limitado, que jogava pelo Vasco e foi vendido ao São Paulo. Sem sucesso nas chances que teve, o jogador foi emprestado ao Santos. Novo fracasso.

O Santos, então, quis devolver o atleta ao São Paulo, de graça. O Tricolor não quis a devolução, e, por sua vez, devolveu o jogador ao Vasco. O jogador voltou ao seu clube de origem, sendo que todas as transações após a primeira aconteceram de forma gratuita.

Não à toa, o jogador ficou conhecido como "Nem-de-Graça" até o fim de sua carreira.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O campo e o teatro

O futebol têm suas leis intangíveis, têm sua moral própria, interna.

Muitas vezes se assemelha com o mundo fora das 4 linhas. Algumas vezes é o contrário.

O Brasil possui, na várzea, um tesouro. Um dos únicos argumentos possíveis de quem defende ser o Brasil o "país do futebol".

Jogo na várzea toda semana, e preciso disso. Competir no campo, para não precisar competir em outros setores da vida.

Ter adversários lá dentro, pra redimensionar e relativizar os amigos e as relações fora dalí.

Meu time estava em uma crise braba. Muitas derrotas. E enfrentaria seu maior rival. Eu queria encontrar respostas.

Era o capitão. Deixei de ser. Usava uma camisa. Mudei de número. Era lateral. Fui pra zaga. 2° tempo: 0x3.

O time em conflito interno, xinga-se. Lance comum, e eu arranco da zaga. Quando vejo, passei os zagueiros deles, e recebo a bola. 1x3.

Caio de joelhos e choro. Pra mim, aquela arrancada e aquele gol já me eram uma resposta. Porque o futebol tem dessas mensagens dissociadas do sucesso.

O jogo, na lama deliciosa da várzea pós-chuva, fica tenso. Pancadas, provocações, e eu passo pra lateral, em virtude do arranque do 1° gol.

Um deles desaba. A bola vem pra mim. Não respeito o tal "fair play", vou pra cima da marcação. Recebo pontapé. O jogo pára para o atendimento, e para as ameaças.

Entre cotovelos e solas, bato mais boca e ganho um escanteio-com-solada. Vou pra área. A bola vem. Em dou passos pra trás e tomo um soco no rosto.

Ainda assim, sai o gol. Gol com soco. Confesso, não vi. Tive que revidar a agressão. Alguém me agarra e me lembra que está 2x3.

O jogo fica frenético desde então. Lance final. Escanteio. Eu corro e pego a bola para cobrar. Nunca cobrei um escanteio na minha vida.

Reclamam e me cobram pelo ato. Irredutível e irresponsável, eu cobro. E o gol de empate sai, de cabeça. Caio no barro, às lágrimas, enquanto ouço uma porção de espectadores cantarem meu nome.

Em qualquer outro lugar do mundo, eu ficaria triste, Frustrado, por tomar um soco, revidar, provocar, afrontar.

Mas, nos contextos de um jogo de futebol, o peso das coisas muda.

Não sou inimigo de quem me bateu. A briga lá dentro não é pessoal. "Pára de brigar porque foi gol" é o argumento que bastou. Pra um lado e pro outro.

Acabo de viver o jogo mais maluco que já joguei. A vitória não veio e isso não é importante. Meus gols e assistências também não me são o mais importante.

Importante, pra mim, alí, foi poder sentir na pele o que há de mais primitivo, primordial e fundamental neste esporte.

Em cada campo de várzea vivem os mesmos anjos e demônios que rabiscam enredos improváveis em tudo que é canto do futebol.

A sorte é que, enquanto existem esses campos, a gente pode, por algumas vezes, ser a estrela daquilo que, pela vida toda, assistimos, apenas assistimos.

Futebol e o meu mundo real

Em 2005, após a classificação do São Paulo para a semi-final da Libertadores, eu, palmeirense, tive o que mais pode se aproximar de uma certeza inequívoca. Meu coração ainda estava fragilizado com a eliminação, dias antes, de meu time na mesma Libertadores, para o mesmo São Paulo. Era preciso estar antipático aos meus algozes.

Na boca do vestiário, Rogério Ceni responde apressado para muitos repórteres. Um deles faz uma observação sobre estar a apenas 4 jogos do "desejo tricolor". Pela primeira vez naquela entrevista forçada, Ceni move o pescoço e procura o interlocutor. Olha bem para o jornalista e o interrompe. "Eu não desejo ganhar a Libertadores. Eu preciso".

Eis minha sensação de certeza. Seria muito difícil tirar aquilo do Tricolor.

Na época eu era um estudante de jornalismo. Dos 4 anos de faculdade, passei mais de três deles caindo em entrevistas e concursos de emprego. Um mísero estágio aqui, dívidas alí, bicos, e, faltando 5 meses pra formatura, estou diante do que pode ser minha última entrevista de trabalho como estudante.

E nela, me lembrei de Rogério Ceni. Eu precisava do trabalho. Citei a mesma frase dele (porque você quer trabalhar conosco?). Ganhei o trabalho e nele fiquei por 3 anos. Não foi pelo uso da frase de efeito. Mas minha situação alí poderia ser comparada a de Ceni, lá.

E estou falando de um vilão palmeirense. Mas poderia falar de mil outros exemplos vindos de São Marcos, de minha infância com Evair, de Scolari, as Copas do Mundo, os sul-americanos sub-20, cada chuva e cada sol em cada jogo que vi e que joguei, o futebol no vídeo-game, no estrelão, no tapete de casa.

O futebol é capaz de traduzir em forma de metáfora todas as minhas experiências relevantes. O futebol é a coisa que me dá a leitura alternativa de minhas próprias vivências. Cada um tem, ou deveria ter, a sua própria poesia intangível, seja ela uma religião, uma banda de música, novelas, o que for, algo que nos absolva e nos dê a oração sem ladainha, nos dê a canção sem aula de partitura.

No meu caso, é o futebol. Que me explica a fé, me mostra os opostos, ensina a me propor perder para poder ganhar, e me dá pequenas coisas que me fazem todo sentido e que nunca saem de mim, me formam o caráter, me fazem não ser tão pesado o tempo todo.

O mundo do futebol explica o mundo real também nas imperfeições. Seria chato e sem sentido se assim não fosse. Os rebaixamentos e os terremotos estão quites. A beleza pode ser triste, a tristeza pode ser bela, tudo é uma questão de leitura.

Uma questão de saber interpretar, saber ser ponderado para ouvir o futebol, terno o suficiente para entender suas ironias. É preciso tato, para não levar tão ao pé da letra, ou ao extremo possível, um goleiro "precisar" de uma conquista (ou um garoto de um emprego).

E é preciso compreender que, no futebol ou na vida, nem toda mensagem é objetiva e justa, algumas delas sequer são alcançáveis, muitas são utópicas, inclusive. Mas existe um pensador chamado Sócrates, aquele Brasileiro, ex-Corinthians, que disse sabiamente que "quem não tem utopia, já nasceu morto".

E até isso o futebol nos explica.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Palmeiras sem TV

Da segunda metade da década de 70 até o fim da de 80, produzimos nossas primeiras imagens de ótima qualidade, de fôlego, profundidade e bastante replicadas.

Antes disso, muitos gols, mas poucos compactos, poucos teipes, pouca nitidez. Depois disso, os "tempos modernos", que, mesmo que seja reprisado, não tem o mesmo glamour.

Essas imagens dos anos 70 e 80 são deliciosas. O áudio, os rojões e as bandeiras simples nas bancadas, as formas de narração, os uniformes mais tradicionais, imaculados e sem calções misturados, o visual dos atletas, a bola, a rede, tudo! É sempre um deleite ver essas imagens.

Formam as novas gerações de amantes do futebol, que assistem a isso para entenderem o presente.

Pois bem. Ao palmeirense, é aflitivo notar que esses anos "áureos" do romantismo visual com o "rec" ligado foram anos de nenhum título.

Imagens como Serginho Chulapa fazendo o gol de 84 pelo Santos, ou o calcanhar do Sócrates em 82, o carrinho de Viola em 88, os Menudos do São Paulo de 85, a década de Zico no Maracanã, são, todas elas, formadoras de nossa relação afetiva com a bola.

E essa época, embora tenha o mesmo peso histórico das outras, é mais repetida, mais vista, com mais carga emocional. E isso agride um pouco o palmeirense.

Primeiro, porque os dois Brasileirões conquistados pelo Verdão, em 72 e 73, foram, desgraçadamente, com dois 0x0, e não há muitas boas imagens sobre isso, tampouco dos Robertões e Taças Brasil de antes.

E, sobretudo, de toda essa safra deliciosa de imagens saborosas, o palmeirense tem 3 pequenos "grandes momentos": a despedida de Ademir da Guia, o 4x1 sobre o Flamengo no Maracanã em 79, e o gol feito pelo juiz José de Assis Aragão, em 83, num Palmeiras x Santos.

É como se o hiato de títulos palmeirense tivesse acontecido justamente na época mais reprisada.

É uma questão estética importante, contribui para a formação do caráter do novo torcedor, que tem nas cores e nuances dessas imagens algo como uma aula, uma conversa com o avô.

Um golpe de azar, de certo. A fila de 23 anos do Corinthians não é rica em imagens. Mas o título, em 77, é um documento que qualquer arquivo de Tv possui na íntegra, o que contribui, inclusive, pra mística da conquista.

O Palmeirense precisa sa resignar por isso, ou esperar que as imagens da década de 90 se tornem velhas.

Mas, mesmo assim, é diferente. A primeira geração altamente gravada e televisionada de nosso futebol foi ingrata ao Palmeiras.