Mas aí você há de perguntar: quem não gosta de música? É verdade, eu não conheço ninguém que, alegadamente, rejeite ouvir qualquer som. Mas aí eu vou ponderar: você conhece de música napolitana? Apresentou programa de rock, foi colunista de revista musical? Fez a lista de músicas do seu casamento, tem uma gigantesca coleção de hinos? Faz fitas para amigos, trabalhou alguma vez como DJ?
Mauro Alexandre Zioni Beting responde sim a tudo isso. Parte de sua carga melancólica é sequela de anos e anos ouvindo música, sentindo-as, respeitando-as. O comentarista da Rádio Bandeirantes (e apresentador da Band Sports, e colunista do Lance!, entre outros, sei lá, trinta trabalhos) me recebeu no estúdio onde participa do programa Esporte em Notícia. Ao seu lado, “apenas” Claudio Zaidan, José Silvério e Sérgio Patrick. O privilégio de estar alí não termina por aqui. Beting não se contém com jingles de propagandas, e dança animadamente em homenagem a alguns. Quem viu, viu. Indiferença musical não é com ele.
Aguardo sem pressa o programa encerrar-se. E topo seguir Mauro até a cantina do complexo Bandeirantes. Antes disso, ele finaliza uma pesquisa sobre Grandes Finais de Campeonatos Paulistas, derruba um copo de água na mesa do estúdio, e limpa usando um jornal velho que estava surrado dentro de sua pasta.
Fácil entrevistar Mauro Beting. Os primeiros dez minutos de conversa foram um rasgo só, não deu tempo para que eu fizesse sequer uma pergunta completa – e no entanto ele respondeu várias perguntas espontâneamente. O papo passou por família, pela frustração de não tocar instrumento e não saber cantar, sua carreira pouco reconhecida de compositor, e, também, pela relação de futebol com música. Tendo a participação desafinada do comentarista Neto, que chegou e sentou-se conosco, Beting, entre filmes, seriados e shows, mostra-se mesmo um amante da música. Segue aí.
Mauro, grande Mauro, sua outra paixão é... Sem contar família, futebol... Eu diria que minha maior paixão é a música, concorrendo muito de perto com cinema e televisão, seriados de televisão, não a programação normal. Agente 86, Wonder Years, Friends, Seinfield, 24 Horas... sou aficionado, e são seriados que poderiam ter passado no cinema. Quando penso nos grandes filmes de minha vida, como Era Uma Vez na América, a saga do Poderoso Chefão, eu penso que eu amo esses filmes, também, pela trilha sonora. É o casamento da trilha sonora com a cena que fazem algumas coisas ficarem absolutamente inesquecíveis.
A paixão então é a música em contextos, em parcerias.
O casamento da imagem com a música é maravilhoso. Se você fechar os olhos não consegue ver um grande filme. Mas consegue ouvir uma grande música. E a grande canção vai às vezes te trazer não só memórias afetivas, como vai te levar, te reportar a um outro tempo, um tempo que você viveu, gostaria de ter vivido, projeta viver no futuro, coisas que gostaria de viver, através daquela realidade mágica que a música te transporta. Entao eu nao vejo nada mais completo do que música.
Em quais outras atividades a música revoluciona?
Clipes. Clipe de gols, clipe de meu filho... Se você acerta a música, sai de baixo , mas se erra... Se colocar Calypso, nem a lua-de-mel com sua esposa vai ser salva. Te dou um exemplo de The Way to Look Tonight, que me lembra a noite de encantamento com minha mulher, que é do Tony Bennet (e se o Tony cantar pra mim o hino do Corinthians, eu vou adorar). se eu começar a falar de música eu não vou parar, seja ela de 1m58, como Great Balls of Fire (Jerry Lee Lewis), que foi a primeira vez que meu corpo, com nove anos, imaginou o que poderia vir a ser amor e sexo (risos), e me incendiou, até tantas coisas maravilhosas que só de ouvir... eu choro. Eu sou desses que chora. Fui ver o Roger Waters em 2007, no Morumbi, e eu tava preparado para aquilo, sabia que ia ouvir aquilo, mas no primeiro acorde de Wish You Here, chorei no Morumbi como jamais chorei em vitórias ou derrotas do Palmeiras.
A sua primeira recordação musica, então, é...
Eu existo por causa da música, de certa forma! Os meus pais se conheceram em uma rádio, em São Paulo, chamada 9 de Julho, onde minha mãe era produtora, e meu pai era locutor de um programa chamado Bombons de Música para a Petizada, um sucesso no final dos anos 50. Aí deu no que deu. Eu cresci num ambiente musical, no sentido de ouvir música. Meu pai toca até um banco, se um banco for dado a ele. Harpa, violão, toca tudo que der pra ele. Minha mãe não, e uma grande frustração minha é não saber tocar nenhum instrumento. Minha mulher se vira no piano, ta aprendendo violão, meu filho mais novo ta aprendendo guitarra, o mais velho bateria, então eu fico imerso na música mesmo sem saber tocar.
E quais os horários que você se relaciona com a música?
Por vezes eu trabalho ouvindo musica. Um ouvido no estádio, e o outro ouvindo música. Escrever, quase sempre é com música. tenho discernimento que tenho que cantar pra mim mesmo. Quando moleque, queria tocar todos os intrumentos, ou quase todos....tuba, não (risos). Repenso seriamente em aprender gaita. Mas passei por fases de querer tocar todos os intrumentos. Eu infelizmente nao consigo ouvir tudo que eu quero. Então prefiro ouvir o máximo que consigo a perder tempo me ouvindo tocar.
E a questão da música e as relações pessoais, amigos e tal?
Uma virtude que eu tenho é uma coisa meio DJ: posso não lembrar o nome da pessoa, de onde a conheço, mas se ela me disse que gosta de Rolling Stones, eu não me esqueço. Sou um bom DJ no sentido de saber misturar os sons, e já era assim quando eu fazia fitas para amigos. É uma delicia, um prazer que eu tenho, mostrar músicas para as pessoas, mixar, casar, e esse é um lado meu "compositor", de juntar sons. E me dá uma vantagem que eu tenho que saber fazer também no jornalismo, que é saber ser plural, o mais plural possivel. Então, a princípio, não tenho preconceitos, busco ser eclético. Eu adoro por exemplo musica napolitana, gosto de todo tipo de blues, gosto de jazz, e também gosto de coisas inconfessáveis, como Abba...
Quais são as suas músicas engatilhadas?
A do celular é de uma banda chamada 10.000 Maniacs, chamada Gun Shy. Gosto muito deles, os elementos folk e a vocalista, Natalie Merchant, tem uma voz muito característica. É uma musica que me lembra momentos marcantes de minha vida, e uma banda que me remete ao amor pela minha mulher, pelos meus filhos, então me toca muito sempre. U2 e REM são bandas que estão sempre comigo. Pink Floyd não está sempre comigo porque não é algo pra se ouvir a qualquer hora , Stevie Ray Vaughan está sempre comigo. Quando ele morreu em 90 foi como se tivesse morrido um amigo. Na musica napolitana é um cantor que grava temas de desde o seculo XIII... Roberto Murolo.
E esse gosto por música italiana?
A música italiana é aquela do Cantautore, dos anos 60, de Luigi Tenco, Sergio Endrigo, isso me cativa muito por ser a musica que eu ouvia em casa quando era menino. A música napolitana é uma particularidadde mas eu tento disseminar. Estou devendo inclusive um CD para o Carlinhos Neves (preparador físico do São Paulo), que é um baita cara culto. O Murolo eu dei pro Nasi, que é um cara que gosta mais de músicas calabresas, de preferências ligadas à máfia, coisas do Nasi (risos). Mas eu sei até onde dá pra ir. Quando vou ser DJ na Funhouse, por exemplo, eu não vou colocar música napolitana, eu me adequo aos ambientes, mas fico feliz em ser o primeiro no ciclo de amigos a mostrar aos outros U2, REM, entre outros.
Disseminar música italiana deve ser complicado, poucos gostam aqui...
Em 1995 fui de lua-de-mel pra Italia com minha mulher. Pouco antes meu pai voltara da Italia e trouxe um disco de um cara chamado Bocelli. Gostou da capa, ouviu, gostou da música e me trouxe. Na época eu mostrei pro diretor da rádio onde trabalhava, a música Com Te Partirò. Argumentei que era bonita e comercial pra cacete, mesmo que não fosse o perfil da rádio, tal e coisa. Bom, passou um ano, e ele tocou na novela, foi um mega-sucesso e o Andrea Bocelli é uma estrela até hoje.
Na Itália a ópera é forte, musicalmente. Você gosta?
Não gosto propriamente de ópera. Mas gosto de algumas árias, e algumas que acabam me matando, como Una Furtiva Lacrima, Nessun Dorma, muitas das mais populares, mas essas me derrubam. Uma das poucas coisas que exigi no meu casamento foi escolher as músicas da cerimônia e da festa. Tocou, na entrada dela, um tema operístico que é muito importante pra historia minha com minha mulher, que se chama Va Pensiero, que é quase um segundo hino italiano. E terminei com Amapola, uma versão que é também do filme Era Uma Vez na América.
Juntando duas paixões: um personagem de seriado e uma trilha sonora:
Adoraria ter o humor do Seinfeld, e resolver os problemas como Jack Bauer (risos). Gostaria de ser o Kevin Arnold. Nada supera Kevin Arnold.
Considerando que música é um gosto universal, aonde sua paixão passa essa média?
Quando eu escuto sozinho, acho. Tenho um problema em escutar sozinho (nesse momento, Neto, ele mesmo, interrompe a entrevista, e senta-se conosco). Tem música que ao pegar a introdução, como por exemplo Five, do Living Colour, poderosíssima, eu escuto umas 20 vezes seguidas. Acho espetacular. E isso pode ser um problema pois irrita os outros. É chato pra quem tá do lado se eu fico repetindo trechos de música. Quando eu trabalhei com música mesmo, não como DJ, mas como crítico musical na Bizz ou no programa na Brasil 2000 com o Kid Vinil, eu tinha tempo para me dedicar muito mais a isso. Era uma delícia, se eu pudesse ficava de DJ o tempo inteiro, e só não to trabalhando hoje com algum programa de música porque... (“Porque senão você vai ver tua mulher que hora?” emenda Neto) Exato! Neto acaba de resumir a resposta (gargalhadas).
E suas investidas como DJ?
Discotequei na Funhouse em 2008, esse ano de novo, e tenho um projeto de discotecagem, com o Simoninha, mais de música brasileira, que eu também adoro e tenho material. (Neto toma o gravador e faz uma pergunta indecorosa a respeito do prestígio e da sexualidade dos DJs. Perde-se algum tempo até que voltemos ao assunto publicável).
Outro gosto seu é por hinos. Confere?
A internet é sensacional e muito me ajudou nisso. Eu apareci em muito lugar falando dessa minha outra paixão. Na Copa de 98, Alemanha x México, eu transmitindo pela Band. o nome Beting é alemão, eu acho o hino alemão belíssimo, e se eu estou num estádio, num jogo desses , e toca um hino com aquela carga, eu choro mesmo. E nesse jogo em especial eu me emocionei um pouco mais, e ao fim do hino a transmissão veio pra mim, mas eu não tinha condições de falar. No Italia x França, poucos dias depois, eu não tava transmitindo o jogo, mas chorei também com os hinos, o estádio de Saint Dennis inteiro cantando junto a Marselhesa (“Pô, Napoleão é o maior filho da p...” , observa Neto. “Mas o hino é maravilhoso”, retoma Beting).
Sua coleção deve ser extensa...
Quando eu era moleque meu vô me deu um LP com 14 hinos nacionais. Eu jogava futebol de botão, e aí botava o hino, deixava os botões alinhados, pegava uma caixinha de fósforos e simulava que esta era uma câmera andando rosto a rosto nos jogadores. O hino da Turquia, que não tinha time forte na década de 70, era meu curinga, todo time que eu não tinha o hino usava o hino da Turquia.
É bom lembrar que, sobre hinos, você tem inclusive composições, né?
Minha curta carreira como compositor de hinos existe, sim. Eu fiz o hino do meu time de Campos do Jordão, que se chama Palestra. Também fiz um hino alternativo para a Albânia, que é assim: (aqui, um artifício de áudio serviria para ouvirmos um trecho desse hino, que, inclusive, é o único hino nacional que espinafra uma nação desafeta. Mas Beting já disse mais acima que tem discernimento sobre seu talento como cantor. Se ele disse, tá dito, não gostou, reclama com ele).