terça-feira, 31 de agosto de 2010

De palmeirense para corinthiano

De Leandro Iamin

Provavelmente eu era o único palmeirense presente no Parque São Jorge naquele 7 de junho de 2000. Horas antes Marcelinho perdera o pênalti que eliminara o alvinegro da Libertadores. Era dia de luto. Para eles, claro.

Meu primo jogava pelos juvenis do Timão. Eu, vizinho do clube alvinegro, o acompanhava. Naquela manhã eu queria gritar e abraçar palestrinos. Mas estava dentro do clube derrotado. É claro que não vou contar aqui as expressões, os vultos, os silêncios que vi, ouvi e senti lá dentro. Seria deselegante.

Nessa época, assistia muito os treinos do time profissional, campeão do mundo (haverá sempre a deliciosa controvérsia sobre isso, tem que ser assim, o Palmeiras foi barrado no baile e o assunto jamais acaba), esperando meu primo. Ficava perto dos jornalistas. Via o trabalho deles e adorava. Seis anos depois virei um deles.

Posso dizer que a profissão que escolhi foi, também, um pouco graças ao Corinthians.

Como devo dizer que, por morar em São Paulo, o Corinthians faz parte de minha biografia, mais do que eu posso supor. Este time é mesmo o avesso do avesso do avesso. A cidade também. Eles são maioria, alvo, vidraça, a história a se contar. Protagonistas dos outros mundos, antagonistas de si mesmos, masoquistas aos olhos distraídos.

Tinha 8 anos e estava no Morumbi em 12 de junho de 93, quando meu time venceu o deles e saiu da fila de 16 anos. Pouco depois estava no Pacaembu na final do Rio-S. Paulo. Campeão. Mais dezoito meses e assisti, no mesmo Pacaembu, diante do mesmo Corinthians, meu time levar o brasileirão.

E não eram fregueses, não soava assim. Eles cantavam mais que nós após o fim do jogo de 94. Cada vitória era um desabafo. Lembro de um amigo, o Gabriel. Palmeirense. Foi a um derby comigo nesse ano de 94. Deu Corinthians. Chegando na casa do Gabriel, haviam uns 10 corinthianos trepados em seu portão, o esperando chegar e cantando corinthianices. Gabriel foi detonado, sofreu o maior bullyng de sua vida.

Gabriel acabou virando corinthiano. O Corinthians pressiona. Atrapalha, não é conveniente. É mal educado, espaçoso.

Volte 20 anos. O Timão nada tinha além de títulos estaduais. Mas suas derrotas eram as mais lembradas, e eles tinham 77. Tinham o IV centenário, a quebra do jejum contra o Santos de Pelé, etc, etc, etc. E tinham invasão de Maracanã, democracia, torcida crescendo na fila, mais etcéteras. Eles não precisam do melhor argumento para ganhar uma discussão.

Muitas vezes acreditam demais nas próprias retóricas, a ponto de realmente o menos importante, ou o menos nobre, se tornar o essencial.

Vieram 5 estrelas na camisa. Um Dualib e algumas parcerias que não valeram a pena. Um
rebaixamento que quebrou, literalmente, a imagem de São Jorge. Ilusões do estádio que nunca sai, da Libertadores que nunca vem, de coisas que este time nunca precisou, mas que, de tanto tempo que sobra, parece necessário.

Porque o dia do Corinthians não tem 24 horas. É muito assunto pra pouco dia. É muito signo, muita mandinga, muita referência. Como gostam de dizer, muita mística.

Uma mística que realmente é capaz de ganhar jogos sofridos, aquela coisa do "tudo ser mais
difícil". Mas a mística corinthiana também é caótica. As maiores mazelas e derrotas do Timão são fruto, ironicamente, de parte de suas maiores virtudes.

Perdem a cabeça, a razão, os jogos, de tanto que amam. Possuem um ciclo orgânico em que destróem (ou humanizam, ou reinventam) os próprios mitos, ícones, lendas, ídolos. Sempre saem do estádio jurando que vão golear o próximo adversário. No fundo acham super charmosa essa coisa de não ter Libertadores.

Não tem lógica, e nem é pra ter. Corinthiano pobre e maloqueiro não tem urgência de virar rico. Corinthiano derrotado e molhado de chuva não tem urgência de ser campeão, finalista, líder.
Ok, boa parte das torcidas são assim em alguma escala. Mas são pouquíssimos no mundo que possuem tanta vocação para o protagonismo quanto o corinthiano.

Este palmeirense aplaude o centenário do Corinthians. O Coringão é o maior rival do meu Palestra. E é o time mais rejeitado do país atualmente. Acho que o Brasil tem inveja do Palmeiras. Todos gostariam de ser o principal rival deste alvinegro anormal.

Não é a maior torcida, nem o mais vencedor, nem o mais rico, mais velho, mais colorido.
Também não são os mais diferentes, afinal nada que seja diferentão atrai 30 milhões de seres.

Talvez eles sejam a melhor idéia, não sei.

Não sou corinthiano e esta resposta eu não tenho. Nem o corinthiano, apaixonado que é e ligeiramente míope por isso, tem. O que pode explicar um pouco, só um pouco, deste time.

Parabéns ao Corinthians. De coração.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Um problema para o DeLorean

De Leandro Iamin



Este é o DeLorean, carro protagonista da trilogia De Volta para o Futuro.

Através dele, uma das mais famosas ficções do cinema mundial viaja pelo passado e também pelo futuro, correndo assim o risco de ter o presente modificado, o que poderia ter consequências trágicas ou cômicas.

O DeLorean que volta e avança no tempo foi invenção do cientista Dr. Emmett Brown, que teve como assistente o sagaz garoto Marty McFly. Esta dupla provavelmente será chamada pela CBF e pelo Clube dos 13 nos próximos dias, com uma missão espinhosa.

A Taça das Bolinhas, afinal de contas, deverá ir para um novo destino: Gávea ou Morumbi. Atentos à escolha, a torcida do Sport Recife quer ver a taça em São Paulo. Já o Mengo a quer para si, como se isso fosse resolver a questão: afinal, quem é o Campeão Brasileiro de 1987?

Eu tenho uma sugestão.

Uma vez decidido o destino da taça, chamamos Dr. Brown, e viajamos de volta para o ano de 1987. Quando chegarmos lá, é só dar um jeito de impedir que uma das torcidas comemore, que uma das massas se considere campeã nacional.

Se o troféu da discórdia for parar nas mãos do Flamengo, será preciso, também, voltar ao carro e partir apressado para 2007, com a missão de tirar dos corações sãopaulinos a sensação de que eles são os "primeiros pentacampeões".

Porém, se o novo endereço da taça for na zona sul paulistana, aí o trabalho da turma do Spielberg se concentra em 1987: será preciso apenas dar garantias de exclusividade à torcida do Leão, quem sabe fazendo uma camisa "Campeão único de 87".

Ironia, claro

Decisões engravatadas não vão adiantar. Decidem o endereço de uma taça física, mas não redefinem a realidade de uma conquista sentimental. Torcedores de Flamengo e Sport comemoraram como campeões nacionais.

As duas torcidas possuem motivos para isso. Seus argumentos são válidos. Suas festas foram respaldadas pela opinião pública, pelo povo ao seu redor. Não há como voltar no tempo e alterar esta realidade.

A consciência e a razão não são assim tão mecânicas. É possível dois lados opostos terem convicções opostas, e ambas estarem certas.

Ainda que decidam, em 2010, que algum dos Nacionais de 1987 simplesmente não existiu, e que os supostos participantes da "farsa" estarão rebaixados para a oitava divisão, quem gritou "é campeão", gritou com razão. E não há o que desfaça isso.

Nem o DeLorean de Dr. Emmett Brown.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Várzea: E que Golaço

Recomendo o texto abaixo do amigo Kadj. Um conto que retrata o "outro" futebol muito bem.

de Kadj Oman

Passou a bola pro meia-direita e gritou, "devolve". Recebeu, perto da linha de fundo. "Vai cruzar", é o que todo mundo pensa, sempre. Não cruzou. Cortou pra dentro, conseguiu algum ângulo pra chutar, mesmo que de pé esquerdo. Foda-se. Desceu o cacete na bola e ela entrou no cantinho, raspando a trave. Um golaço, que todos os outros dez espectadores favoráveis ao seu time - o resto dele - aplaudiram com fervor. Uma pena que não tivesse sido num Maracanã lotado, com certeza entraria pros gols mais bonitos da rodada, quiçá do ano. Mas ele sabia que era assim, futebol de várzea, de verdade, não tem torcida, quase nunca. Nem arquibancada tem, muitas vezes. Sem falar do uniforme, cada meião de uma cor, um azul, outro preto, o goleiro sem luvas. Pra quê tudo isso? Era tanta parafernália naqueles jogos do futebol profissional que ele não suportava nem pensar em uma câmera ali filmando, nem que fosse daquelas Super-8 antigas. Quem tinha visto o golaço tinha, quem não tinha, nunca mais.


Era assim todo sábado. Quer dizer, ele não fazia gol sempre, muito menos golaço, que lateral-direito só de vez em quando tem uma chance de marcar. Mas todo sábado ele saia de casa carregando o jogo de camisas pra encontrar os outros dez, que quase nunca eram os mesmos, e ir pra algum campinho de várzea dos que ainda existiam na cidade. Na verdade, imaginava, essa coisa de dizer que os campinhos sumiram não é assim tão verdade, as pessoas que não procuram mais direito. Em dois meses eles já tinham conhecido cinco diferentes, só ali pelo bairro. "Vai ver ninguém tem mais tempo pra jogar bola", pensou, e também todos esses prédios e carros, condomínios privados, a molecada vive agora é no cimento, futebol de salão. Isso quando não prefere gastar o tempo que tem vendo jogo pela TV, desses profissionais. Algo que ele não entendia.

Os narradores eram ruins, cegos, burros. Os comentaristas mais pareciam gravadores, repetiam sempre a mesma coisa, tem que jogar pelas pontas, correr atrás do prejuízo, onde já se viu. Trabalhava tanto pra fugir do prejuízo e vinha uma anta daquelas dizer pra correr atrás. Se fosse um "Desafio ao Galo", quem sabe, aquilo sim era divertido. Futebol profissional não, era demais, preferia mil vezes voltar pra casa enlameado por causa da chuva no campo de terra batida do que assistir aquele monte de propaganda em tudo quanto é canto, camisa, meião, chuteira, até na luva do goleiro. É claro que quando criança sonhava em jogar nos grandes estádios do mundo, Maracanã, Pacaembu, quem sabe um San Siro ou um Camp Nou, Monumental de Nuñez. Mas imagina só, dar entrevista pra esses repórteres altamente idiotas, ia acabar passando por antipático. E aguentar jogador estrela então, nem pensar, marmanjo querendo dar uma de madame não era com ele mesmo. Aquilo não era mais jogo, era um circo, futebol mesmo estava na várzea, tinha certeza.


É claro que, bem, dentro do time ali também existia uma relação de poder, ele sabia. Não era por acaso que o meia-direita habilidoso preferia às vezes não tocar pra ele, mesmo que estivesse livre. Sabia que era considerado inferior dentro do jogo, que cobravam mais dele do que confiavam. E aguentava quieto, porque estava feliz em jogar, apesar de incomodado às vezes, não era pra ser assim. “Será que até aqui aquele bando de propaganda sobe na cabeça da meninada”, pensava, devia ser isso, eram todos muito novos e muito enfiados em casa, assistindo aqueles comerciais. Mas não era por mal, eram bons meninos, companheiros, mesmo que na hora das faltas cada um deles se sentisse um Beckham. Beckham, vê se pode, olha quem eles tem como exemplo de batedor de faltas, nunca tinham visto um Zico, um Rivelino.

É, ele também não tinha, mas seu pai sempre contava, e ele escutava, e via os videotapes da Copa de 70 como quem assiste a uma obra-prima da humanidade, uma das sete maravilhas do mundo. Era aquilo que ele tinha na memória, mesmo que fosse uma memória de algo que ele nunca viveu, pelo menos não presencialmente. Uma história que ele escutou e recriou como sendo sua, e quem pode dizer que não era? Conhecimento se faz assim, de pai pra filho, de história em história, a tal da sabedoria do povo, não com essa coisa de tira-teima, "eu vi, pai, eu vi, dez centímetros impedido", nada disso.

Imagina se um treco desses mostra que quando o meia-direita devolveu a bola ele estava sete centímetros na frente do último zagueiro? Não, aquele gol era dele, só dele e de quem tinha visto, nenhum aparelho eletrônico podia mais tirar, um a zero aos trinta e cinco do segundo tempo, e que golaço. Colocou a camisa pra dentro do calção de novo, enxugou o suor da testa, olhou pra arquibancada convencido de que qualquer um dos 150 mil espectadores ausentes teria dito que aquele gol tinha valido o ingresso.


E foi marcar o ponta-esquerda.

Verdade Paraibana

(não sei quem é o autor)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Paulo Comelli e a classe

de Leandro Iamin

Paulo Comelli pediu demissão (ou foi demitido, depende da fonte) do Oeste ainda no intervalo da última partida deste time. E se mandou pra casa antes do 2° tempo começar.

Alega que houve interferência em seu trabalho. Que alguém "de cima" lhe pediu que tomasse alguma atitude.

Comelli foi digno, se a visão do acontecido for mesmo essa, simples, rasa, apenas pediram e ele apenas se mandou.

Futebol é cheio de nuances. Tudo é, aliás. Ou cheio de sujeira também, se assim preferir.

Interferência no trabalho de treinador é sim comum. Comelli não me contou que a América foi descoberta ao descortinar esse suposto embaraço.

A interferência tampouco vem só por parte de dirigentes, e muito menos afeta só o cargo do treinador.

Comelli reclamou e saiu de seu emprego, mas eu prefiro observar que ele foi vítima da própria classe. Classe desunida de treinadores que muitas vezes se aproveitam dessas mesmas interferências de diretores, ás vezes de empresários, torcedores, terceiros e quartos.

Classe de treinadores que não se importa com sindicato, não dá a mínima pra ética, pouco busca aprofundar-se no estudo da profissão e seu entorno.

Classe que sabe que é assim, e permite que seu cotidiano profissional seja sempre esse, raspando na troca de favor, esbarrando no tapismo-nas-costas.

O futebol catapultou essa função do futebol muito mais do que a mesma evoluiu no país. Treinador de time pequeno, treinador de base, treinador de ponta, todos sofrem com um descrédito ético que na verdade pouco lutam para combater.

Porque se falta mais visão, mais postura, mais união entre os treinadores, fica muito mais fácil pra um diretor pedir, ordenar, apontar dedo, ameaçar, chantagear, demitir, e contratar outro amanhã.

Dia seguinte: Paulo Comelli deixou o Oeste e assumiu o Sertãozinho. Será que ele está mesmo tão chocado ou preocupado com o que viu 24 horas antes no vstiário do Oeste?

A aldeia de Luís Fabiano

de Leandro Iamin

Luís Fabiano fez mais um de seus gols pelo Sevilla nesse meio de semana, pela semi-final da Copa do Rei. Gol difícil, de cabeça, saltando pra trás e encobrindo o goleiro.

Na comemoração, vestiu um chapéu que é a marca registrada do presidente do clube em dias de jogo.

A imprensa adorou a homenagem ousada do atacante. Os espanhois apreciaram a ideia e sublinharam o tamanho do futebol do camisa 9 da Seleção.

Que joga muito, que é uma fera, que eu aposto como um dos maiores nomes da próxima Copa. Mas que, como não joga no quadradinho da alegria (Milan, Inter, Real, Barça...), vive a ouvir os outros sugerirem que desperdiça sua carreira num time mediano.

Na minha opinião, Fabiano tem bola pra jogar em qualquer time. Gosto dele, mas gosto ainda mais por isso não afetá-lo, isso é, ele gosta do Sevilla.

Não é o maior time do mundo. Ele sabe. Mas tem torcida, disputa coisas, lha paga bem, tem estrutura, história. Precisa ser o maior time do mundo?

Lá ele conquistou títulos, perdeu coisas dolorosas, lá ele alcançou a Seleção, lá ele viu companheiro de time morrer em campo, lá ele tem carinho - campeão ou não. Porque se desesperar em ir passear em outra aldeia?

Quem acha que Luís Fabiano perde tempo no Sevilla, que vá assistir aos jogos do efêmero Chelsea, cujos jogadores mal parecem vinculados à camisa, à Londres.

Acho improvável, mas que bom seria Luís Fabiano encerrando a carreira no Sevilla. Vestindo o chapéu do presidente, sendo aplaudido de pé por uma das cidades mais cheias de personalidade no mundo.

Ser rei em Sevilha deve ser mais legal do que ser só mais um em Madrid.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sobre São Luiz do Paraitinga

Volto com a alimentação do blog neste ano que mal começa.

Com um aperto em ver o que aconteceu com a cidade de Paraitinga.

Posso dizer que lá vivi dias inesquecíveis, alguns dos melhores de minha vida.

A chuva acabou com quase tudo. Destruiu patrimônios tombados.

Tombar construções antigas e não permitir o devido restauro das mesmas é muito triste.

Queria ir pra lá. Visitar o asilo, a casa da Dona Célia, a praça da igreja e a imobiliária.

Ficarei por aqui. Torcendo por eles. Que o recomeço de Paraitinga seja mais veloz e de mais sucesso que o recomeço deste espaço.