terça-feira, 7 de abril de 2009

A experiência de um Fla-Flu




Não existia uma lógica que explicasse minha ida ao Rio de Janeiro num final de semana normal como esse. Pra ver o Maracanã? Mas o Fla-Flu de domingo não valerá nada! Pra conhecer as praias? Espera uma semana e vá no feriado!

Fui no impulso, e bons impulsos não podem ser rejeitados. Sem saber onde ia dormir, pois ainda não desconfiava que um rapaz, gaúcho e sãopaulino, que sequer me conhecia pessoalmente, me deixaria debaixo de um teto, a poucos metros da praia de Copacabana.

O Rio de Janeiro é um labirinto semântico, é fácil defini-lo com os olhos, não com as palavras. Seu povo é receptivo e marrento, eles sabotam qualquer estereótipo verbal. Os contrastes não são só visuais, mas conceituais. Eu vi os micro-shorts das meninas, vi rapazes sem camisas em restaurantes, e será que, afinal, a vulgaridade está no que se veste?

Domingo de Fla-Flu. Pela manhã, fiz minha farra solitária em Copacabana. Cooper, exercícios, chopp, tomei sol, mergulhei, e quando sentei na sombra pra ler jornal, vi em minha frente ser montado um campo de handebol de praia feminino. Isso existe. Assisti um pouco, e vi que o esporte é novo, ainda carece de adaptações na regra, o jogo não é nada atrativo. Uma bola de futebol americano corre de mão em mão mais à esquerda, e, ao fundo, começa a maratona aquática, uma travessia pelo mar que contou com trasmissão da TV.

Sentindo falta do futebol, ou mesmo do futevôley, fui me aprontar para o Maracanã. Metrô. Entram umas 25 pessoas juntas e animadas. Faço amizade com um desses. É o capitão de um time militar que veio jogar um campeonato de futebol no Rio. Vieram todos de Brasília com a família. Ele era vascaíno, estava curioso pra conhecer o estádio-mãe. A cada estação, mais torcedores entram, e dos dois times.

Para um paulistano, isso choca. Quero dizer que sei, claro que sei, que no Rio de Janeiro a violência entre torcedores é grande (existe violência pequena?) e a relação com a polícia não é nada boa. Mas existe uma diferença capital entre a violência das torcidas no Rio e em São Paulo. Aparentemente, no Rio de Janeiro os torcedores comuns se impõem. Reconhecem a violência, mas não abrem mão do metrô, que é deles. Fazem o que tem que ser feito.

Outro aspecto é o jornal. Lí dois jornais diferentes, cariocas, e não encontrei textos carrancudos, pessimistas, daqueles que desencorajam os mais novos e desanimam os mais velho. O caderno de esportes carioca ainda é romântico, não há campanha anti-estádio. O torcedor se escora no que está no jornal, que é o que a sociedade lê. Se o jornal faz campanha anti-estádio, a sociedade se amedronta, e o torcedor não acha eco, nem em casa, nem no metrô.

Posto isso, lembremos também que o Rio é cidade com praia, e aquelas garotas que citei sequer tiram os micro-shorts pra ir ao estádio. Elas influem tanto quanto a polícia na manutenção do bom andamento das coisas, elas inibem "bagunças" de "machões", num exemplo semelhante ao argumento dos que dizem que a grade de proteção só fomenta a violência. Os organizados podem levar faixas, bandeiras, adereços variados, o clima fica bom e bonito, todos estão ocupados, vendo ou fazendo a festa visual, a festa sonora.

Vale dizer que comprei o ingresso em um minuto, faltando meia-hora pro jogo começar. Um minuto. Em São Paulo, faltando 30 minutos pro jogo começar, eu perderia o pontapé inicial. Ainda mais porque, pra entrar, demoro mais muitos minutos. No Maracanã, em 30 segundos com o ingresso na mão, já estava do lado de dentro das catracas. É engraçado o sistema de revista, pois eu só precisei levantar a camiseta. Ou será que o engraçado é poder entrar com o jornal na mão? Vocês sabiam que em São Paulo é proibido entrar no estádio com o jornal na mão?

Muito bem impressionado com a maneira informal e racional de se tratar o torcedor, me admirei em subir a rampa com as torcidas misturadas. Ao fim da rampa, você escolhe se vai pra esquerda ou pra direita, em alguma das duas massas. Telefonei pra uma amiga flamenguista, e um amigo fluminense. Ela ia ficar do lado de fora. Fui apoiar, então, o tricolor. camisas de Fred, e, pasmei, camisas de Washington.

E a torcida canta músicas de referências locais. Gostei das versões de cantos inspiradas em canções de RPM, Roupa Nova ou mesmo funks. Vai ao longe da chatice paulistana de lotar as bancadas com "da-lhe ô, da-lhe ô" e outras melodias argentinas, tendo raríssimas exceções. O torcedor carioca, além de ter o Maracanã, está em momento mais liberto e criativo que o paulista. Ele pode levar coisas, ele pode fazer coisas, ele não aponta o dedo raivoso para as torcidas organizadas, ele não tem receio de pegar o metrô.

No Maraca não se vende cerveja. exemplo copiado de São Paulo. É discutível. Pra mim, discursos de terror em tribunas esportivas, entrevistas com líderes de torcida que só subvertem a importãncia das mesmas, e trabalho obsessivamente ostensivo da polícia são, por exemplo, mais nocivos que uma cerveja. Futebol não é um evento como show de uma orquestra. É tenso, à flor da pele, isso é próprio do futebol, não da cerveja, e se me dizes que uma cerveja potencializa o instinto brigão de um brigador, eu te respondo que a prioridade ainda é o torcedor vascaíno que saiu de Brasília, está indo conhecer o estádo-mãe, e, por ventura, vai querer uma cerveja pra desfrutar o momento.

Saio do estádio após o 1x1 de final elétrico, e, veja você, bebo cerveja, a 500 metros do estádio, com a amiga flamenguista que não entrou. Domingo que vem tem Fla-Flu de novo. Agora, valendo classificação, eliminação. Dá vontade de ir de novo. Foi um ótimo fim-de-semana, e meus olhos vêem flores. Adorei a experiência. Não há o que extingua o aspecto perigoso de dar de cara com a violência em um local desses, enquanto o país não mudar antes. Mas fiquei otimista em ver a forma como é tratado o jogo, nos jornais e nas ruas, na entrada e na saída. É algo que se aproxima do que eu julgo ser ideal.

Acho que o modelo carioca de geir um clássico dá mais certo que o paulista.

3 comentários:

KK disse...

Essa história de não poder entrar com jornal é bizarra!

Uma vez, não me deixaram entrar no Morumbi com um jornal que eu carregava, só que na mala eu tinha um isqueiro e um desodorante...

Tija disse...

Isso porque você foi na torcida do Fluminense. O resto da mulambada aqui do Rio é igual a SP. Elite mesmo, só a gente.

Unknown disse...

Almir Carioca - Brasília - DF
almir.carioca@gmail.com

Fiquei perplexo com a história do jornal... haha qual o problema do jornal ?

Enfim, o FlaxFlu é um jogo mágico, tanto que começou quarenta minutos antes do nada, quando então as multidões despertaram.

Creio que você deveria se render ao charme do "clássico supremo" e dar um "pulo" no Maraca neste domingo, não será decepcionante. Mas uma coisa é certa... vá à torcida tricolor, pois digo, sem nenhuma arrogância, apenas em tom fatalístico, creio que a vitória está escrita há seis mil anos...

É interessante ver um paulista se rendendo à mística deste clássico que sem sombra de dúvidas é o maior espetáculo da terra. Uma rivalidade marcada na carne e alma flamengas, visto que se não existisse Fluminense, provavelmente não existiria Flamengo, a não ser o de remo...

Espero que ao fim deste domingo no Rio de Janeiro, a torcida tricolor possa parafrasear Nélson e iniciar suas conversas sobre o jogo com a tão famosa frase: "Amigos, a humildade acaba aqui..."

Saudações Tricolores

Grande abraço