segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Noturno

Prefiro ir ao estádio de noite.
A explicação racional é a seguinte: minha noiva mora longe e nos vemos de fim de semana. Por isso é bom que no domingo meu time esteja longe, e é ideal que os jogos em casa sejam às quartas ou quintas, quando eu estou sozinho mesmo.

Outra explicação clássica é recorrer aos meus "ensinadores", que me levavam quando criança ao estádio, em jogos teoricamente menos lotados, ou seja, aqueles de quarta-feira, jogos de importância pouca.

Eu tenho minhas explicações preferidas. A primeira é que eu sou mesmo da noite, prefiro, é quando as rádios estão num ritmo mais calmo, o frio é mais comum e tanto faz se são duas ou cinco horas. A outra é mais abstrata, e é a hipótese de a noite torcer pro mesmo time que eu - afinal, se o sol já me foi cruel, o sereno sempre me consolou nas derrotas. Já pensou?

O rebaixamento do meu time foi no sol baiano de fritar ovo no asfalto. A Libertadores, que sempre acontece às noites, eliminou meu time diante de um rival eterno, sob a luz do sol, em 1994. Já a primeira vez que vi meu time ser campeão, um ano antes, seria antes das seis horas da tarde. Mas teve uma prorrogação estratégica, que serviu apenas para a noite se consumar na cidade.

Dá pra citar, claro, exemplos que abonem o sol e desmintam a lua. Mas pensa bem. Meu time voltou pra primeira divisão em um jogo à noite - e a rodada final era à tarde. A Libertadores nos veio de madrugada, ao passo que o Mundial de Clubes nos fugiu desgraçadamente em uma manhã. Ganhamos um brasileirão em cima do maior rival, de tarde, é verdade, mas com apenas um empate. Empate? A vitória decisiva veio no jogo de ida... uma bela e estrelada noite.

Os fantasmas noturnos são mais fantasmas. Assombram de verdade, não são gratuitamente cruéis como as feras que o sol solta no mundo. A derrota por 7x2 em casa, o ASA de Arapiraca, a virada de 3x0 pra 3x4, tudo isso foi de noite. Ué, derrotas e vitórias acontecem nas 4 estações, mas são estas que mais me visitam de tempos em tempos, e eu as valorizo por isso. Como a derrota na Libertadores de 2000, na Final noturna, me vem com a dor de meu pai, que morreu no mesmo dia, sob a luz do sol. O Palmeiras podia ter vencido, mas a noite não quis me aliviar da lição que o sol me deu. E eu respeito isso.

A noite é minha professora. Perder o último ônibus pra casa é educativo, deixa a mãe aflita, seu estômago faminto e seu rosto envergonhado. A noite é companheira, foi ela que chorou comigo - em forma de dilúvio - a despedida intelectual de meu ídolo Edmundo. A noite emoldura melhor, não faz reflexo em meus olhos míopes nem dá chance para outras luzes me tirarem a atenção do gramado. Ela tem consigo o ar boêmio e a aura romântica, e só é assim que o futebol é mais futebol. A noite me ajuda quando quero ir ao estádio como um gato de rua, escondido, sem cores, pelos becos.

É no jogo noturno que eu tenho o sublime prazer de aguardar o dia inteiro passar com cheiro de chuteira no corpo. Depois, olhar pela janela e só sair de casa com a certeza que o sol sumiu do mapa. E ao encontrar meu time sob a luz dos refletores, o encontro é também com a noite, que, juro, é palmeirense como eu.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bacana!

mandiócrates disse...

Escreve aí: um dia lançarão um livro seu com textos sobre futebol, como esse.

Tenho certeza.

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom