quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O campo e o teatro

O futebol têm suas leis intangíveis, têm sua moral própria, interna.

Muitas vezes se assemelha com o mundo fora das 4 linhas. Algumas vezes é o contrário.

O Brasil possui, na várzea, um tesouro. Um dos únicos argumentos possíveis de quem defende ser o Brasil o "país do futebol".

Jogo na várzea toda semana, e preciso disso. Competir no campo, para não precisar competir em outros setores da vida.

Ter adversários lá dentro, pra redimensionar e relativizar os amigos e as relações fora dalí.

Meu time estava em uma crise braba. Muitas derrotas. E enfrentaria seu maior rival. Eu queria encontrar respostas.

Era o capitão. Deixei de ser. Usava uma camisa. Mudei de número. Era lateral. Fui pra zaga. 2° tempo: 0x3.

O time em conflito interno, xinga-se. Lance comum, e eu arranco da zaga. Quando vejo, passei os zagueiros deles, e recebo a bola. 1x3.

Caio de joelhos e choro. Pra mim, aquela arrancada e aquele gol já me eram uma resposta. Porque o futebol tem dessas mensagens dissociadas do sucesso.

O jogo, na lama deliciosa da várzea pós-chuva, fica tenso. Pancadas, provocações, e eu passo pra lateral, em virtude do arranque do 1° gol.

Um deles desaba. A bola vem pra mim. Não respeito o tal "fair play", vou pra cima da marcação. Recebo pontapé. O jogo pára para o atendimento, e para as ameaças.

Entre cotovelos e solas, bato mais boca e ganho um escanteio-com-solada. Vou pra área. A bola vem. Em dou passos pra trás e tomo um soco no rosto.

Ainda assim, sai o gol. Gol com soco. Confesso, não vi. Tive que revidar a agressão. Alguém me agarra e me lembra que está 2x3.

O jogo fica frenético desde então. Lance final. Escanteio. Eu corro e pego a bola para cobrar. Nunca cobrei um escanteio na minha vida.

Reclamam e me cobram pelo ato. Irredutível e irresponsável, eu cobro. E o gol de empate sai, de cabeça. Caio no barro, às lágrimas, enquanto ouço uma porção de espectadores cantarem meu nome.

Em qualquer outro lugar do mundo, eu ficaria triste, Frustrado, por tomar um soco, revidar, provocar, afrontar.

Mas, nos contextos de um jogo de futebol, o peso das coisas muda.

Não sou inimigo de quem me bateu. A briga lá dentro não é pessoal. "Pára de brigar porque foi gol" é o argumento que bastou. Pra um lado e pro outro.

Acabo de viver o jogo mais maluco que já joguei. A vitória não veio e isso não é importante. Meus gols e assistências também não me são o mais importante.

Importante, pra mim, alí, foi poder sentir na pele o que há de mais primitivo, primordial e fundamental neste esporte.

Em cada campo de várzea vivem os mesmos anjos e demônios que rabiscam enredos improváveis em tudo que é canto do futebol.

A sorte é que, enquanto existem esses campos, a gente pode, por algumas vezes, ser a estrela daquilo que, pela vida toda, assistimos, apenas assistimos.

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