segunda-feira, 16 de março de 2009

A sala

Eu tive um lugar, que não é nenhuma arquibancada, que me serviu como um banco de faculdade, que me ajudou, me formou um amante do futebol. Devo a esse lugar boa parte do que e de como aprendi a raciocinar o esporte.

É a sala do meu melhor amigo. Eu não tinha TV a cabo. E, por assim, dizer, eu também não tinha pai. Em 20 minutos eu estava na casa dele. Era fascinante, o campeonato italiano, inglês, espanhol, mil replays, uma Tv à prova de Faustão. O pai do meu amigo era Nápoli, era Colônia, o irmão dele era Dortmund, e ele era Liverpool. Era saudável. Eles eram corinthianos, eu, o oposto. Igualmente saudável, e alí, com eles, assisti a mais de um Derby.

O pai do meu melhor amigo é jornalista. Nós viramos. Naquela sala, a gente jogava futebol de botão nas noites, e era o adulto, o pai, que fazia as tabelas. No computador do quarto, o simulador de futebol era dividido com todos. A mesa da cozinha dele já foi gol. O quintal já foi campo. Mas falo da sala. É a sala que me toca.

Eles me deixaram viver grandes maratonas futebolísticas, sempre com a maior generosidade do mundo. Eu não queria ir embora, eu pressionava minha mãe para ter a bendita TV a cabo em casa. TV a cabo, leia-se futebol europeu. Por ver menos, eu sabia menos. Eu me esforçava para acompanha-los nas acaloradas discussões naquela sala. Eles tinham umas revistas importadas, uma coleção de camisas extensa, que assim, falando, até parece que eu tinha inveja.

Pois bem. A casa está vendida. O pai já não mora lá. Ainda assim, foi com eles que assisti, domingo que se foi, ao Derby do Ronaldo. Tinha que empatar,por nós. E, ao empatar, tinha que ser do Ronaldo - naquela sala, vibrei com Ronaldo nas Copas do Mundo, nas raras chances que tinha de torcer pro mesmo time que eles.

Uma semana depois, e é aniversário do pai da casa. Jantar na casa dele. Um pouco de cerveja, e o sono. Acordo às 3 da manhã. desço pra sala. O pai está dormindo no sofá. Eu mudo de canal. Não acho um jogo. Mas contemplo a sala. Lembro do tempo que tive alí. Me permito ir à geladeira, pego um refresco, sorrio me exergando sujo de quintal, moleque, alí no sofá. Volto, e logo meu amigo também acorda. São 3h30 da manhã. Ele aperta o botão do controle remoto. E está passando um teipe do Arsenal.

Ele não viu, mas caiu uma lágrima. A mesma que cai agora ao escrever. Eu estava alí, assistindo, talvez, ao último jogo naquela sala. Um jogo absolutamente desimportante, como tantas centenas que assistimos juntos.

Ao fim deste, é verdade que vimos outro teipe, do Palmeiras, e, no domingo, vimos trechos de alguns outros jogos. Mas é do jogo entre Arsenal e Blackburn que jamais vou me esquecer. E veja só, sem fazer força: foi com eles que soube que o fim da fila do Arsenal virou livro, filme, Febre de Bola. Foi por eles que soube que a título do Blackburn, em 95, significou o fim de um jejum de mais de 50 anos.

Mais uma coisa que se vai de minha vida. A casa onde eu mais respirei futebol. Valeu demais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Linda história! Emocionante mesmo!

Abraços e saudações hexacampeãs,

Rafael
(rumo aos Emirados Árabes)

Anônimo disse...

Belíssimo texto!! Concordo com tudo o que foi dito. Aquela sala tem história. Cheguei a ficar arrepiado quando estava lendo. Boa Leandro!