terça-feira, 2 de setembro de 2008

VICTOR BIRNER - EM BUSCA DO PESO PERDIDO

MINHA OUTRA PAIXÃO
-Esta série vai se dedicar a conversar com jornalistas esportivos. O assunto: suas paixões que não são esportivas nem jornalísticas.

VICTOR BIRNER - EM BUSCA DO PESO PERDIDO

Espero por Victor Ernesto Birner em uma serena e enxuta redação de rádio. Nas mãos, Pablo Neruda, na TV, um Gre-Nal, e dois metros à frente, Paulo Massini e Juca Kfouri lêem e azeitam o programa que vai ao ar logo mais, o CBN Esporte Clube. Das três opções, a que mais me entretém é observar os jornalistas. Birner, que participa do programa, marca comigo meia-hora antes, e chega em cima da hora. Era um atraso previsto. Dá tempo de buscar um gravador, criticar severamente seu clube do coração em pinceladas rápidas, e andar firme para o estúdio.

Victor, ou Vitor, é acessível e seu raciocínio é veloz. Vestido basicamente sob medida, só sai de sua postura de marcha despojada para exibir às amigas um pedaço de sua cueca temática, sobre seu time do coração. O agasalho é da Inglaterra, e ele gosta mesmo de lá. Começou a vida ouvindo Beatles, entre outras referências maternas, e ao crescer adotou o Iron Maiden como rei do rock, além de admirar o futebol britânico desde os tempos do chuveirinho.

Rostão europeu, barbicha e olho claros, com uma vistosa cabeça raspada e careca, ele é a tese e a antítese de um roqueiro. Por vezes parece ser, às vezes é o oposto, em forma e conteúdo. É sarcástico no papo informal, mas carrega-se de tinta humana e bondosa quando fala sério. Quando tinha cabelo comprido, ainda assim usava branco no meio dos amigos que usavam preto. Assistiu o primeiro show do Sepultura, foi guitarrista de três bandas (com o pseudônimo de Tumba!), suas referências são as clássicas, mas também as alternativas. Sua balada preferida hoje se chama Clash Club. A forma leve de falar do tema não mostra saudade dos tempos de roqueiro, sinal de que ainda o é em essência.

Birner segue em busca do peso perdido do rock, e o procura nos mais curiosos locais, como numa escola de samba. Ele acha o rock conservador, e que cada vez mais se distancia do amor, em nome da procura insensata pelo sucesso. “O mesmo acontece no futebol. O cara não tem mais tesão em jogar pelo vício no esporte”. No jornalismo, porém, Victor consegue manter-se com coração romântico. Quer viver de seu blog, e deixa bem claro sua relação com a profissão: é ele quem a tem, e não o inverso.

Birner teve uma trajetória comum a muitos outros amantes do rock´n roll. Mas soube não ser clichê. Sabe diferenciar o que é herança do rock e o que é herança da idade, da cidade, da vida. Ele tocou nesses assuntos musicais comigo, no meio do CBN EC, entre pausas para entrar no ar e para assistir, sorrindo, as provocações dos demais participantes do programa. Aqui, o que de melhor se pinçou.

Olá Victor. Fale sobre sua formação musical.

Olá Leandro. Bem, minha mãe ouvia Beatles, Elvis, quando eu era criança, e isso me fez gostar de rock. Mas fiquei fanático mesmo por heavy metal, na verdade, quando um amigo do bairro trouxe um disco, “Killers”, do Iron Maiden, isso em 1981. Eu fiquei louco. Depois, com “Number of the Beast”, virei alucinado. E daí pra frente, Black Sabbath, Ozzy, Metallica, ou mesmo Sister Of Mercy... aí não parei mais.

O que mais te motiva a gostar do rock?

Não é só o gostar da música. Ela representa períodos da vida, te traz sensações da adolescência. Por exemplo, eu estudava no Mackenzie, e me lembro que colocava o Iron Maiden no aparelho 3-em-1 que tinha em casa, e ouvia, ouvia, ouvia, quando voltava da escola ou do futebol, sempre que dava. Era uma relação diferente das dos jovens de hoje com a música, que são um pouco mais maldosos e realistas.

Maldosos e realistas?

É, maldosos e realistas, ou, se preferir, práticos e com foco em dinheiro, fama e baladas, e não na música.

Quando rock e futebol se cruzaram, se é que já foram descruzados?

O futebol é mais antigo e algo inexplicável. A relação é muito clara entre rock, futebol e minha vida. Ia aos shows com bandeira, o que dava um certo ar de jogo ao show. Buscava informações, pesquisava os times q os caras do Iron Maiden torciam... Eu mandava cartas ao fã clube, para eles, achando que ele lia. Pessoalmente, ano passado, ele disse que não lia carta alguma.

Hoje o jeito de acompanhar uma banda é diferente?

O rock hoje é mais plastificado, e é por culpa das bandas, em maior parte. Tem quem goste de verdade, claro que tem, mas não vejo mais a mesma intensidade de vibração. E sabe, vejo algo parecido no futebol. Já não tem mais aquela intensidade natural, além da competitividade, da raiva, isso é, a sua relação com o time, ou com a música, parece que depende de outras coisas além do que você sente.

Como assim?

Eu sempre brinco, ou melhor, falo sério, dizendo que na vida é preciso sentir, mais do que ter. Gostar de musica é mais importante do que ter o disco.

O que você gosta no rock mais atual?

Olha, antigamente as bandas faziam 6, 10 discos bons, eram mais constantes. Hoje em dia elas têm algumas boas musicas, em alguns discos. Gosto de White Stripes, pela performance ao vivo, que é bem melhor que num CD. Gosto de Strokes, detesto Oasis. Tô ficando tiozinho, né, Strokes não é mais atual (risos)! Do que ouço hoje, prefiro a musica eletrônica, e mesmo assim ela está em decadência. A música eletrônica está virando rock.

E sua carreira como músico? Como foi?

Entrei em duas bandas que já existiam, a Belial e a Skull Crushers. Era Death Metal. Tocava forte, era uma época que tava estourando o Possessed, Celtic Frost, Hellhammer. Ia a muitos shows, todos que você imagina. Sou do tempo do Lira Paulistana, Carbono 14, vivi isso desde o começo. Andava com o pessoal das bandas, e fui no primeiro show do Sepultura ... Tinha cabelo longuíssimo! Eu era amigo da galera e tocava na banda, até que o pessoal do Vodu me chamou pra tocar.

E esse foi o auge?

Nunca foi meu sonho de verdade. Eu era novo e gostava de tocar. Tocava por tocar, não pra ser famoso. Estamos falando de 87, 88, 89, o Vodu fazia shows em vários lugares, eu aceitei, toquei por um tempo até me encher, não gostava do trabalho do vocalista, da voz dele. Era no tempo das gravadoras aparecendo, algumas cogitavam nos contratar se mudássemos o vocal, e eu larguei sem ter que dizer “to fora”. Apenas não apareci mais (risos).

Deixou de ver o São Paulo por causa da banda?

Não! Tinha um acordo: eu saía de show e de ensaio a tempo de chegar no estádio. Eu fui mais futebol que música na vida. Num comparativo, o futebol fazia um 4x2 na musica, com um gol no finalzinho (risos).

Como músico, qual era sua posição? Como jogador, jogava de quê?

Como músico, eu era um volante genioso, que até desequilibrava, mas pecava por ser egoísta, imprevisível para o grupo. Odiava entrevistas, evitava ir na MTV, não sabia os nomes dos discos, gravava sozinho de madrugada. Queria uma maquina de fumaça perto de mim. Gostava de tocar comigo, pra mim, a relação era com o meu som, e não com o público. Eu virava pra caixa e mudava sozinho as afinações, fazia microfonias. No futebol, jogava bem. Hoje em dia, preciso operar os 2 joelhos, tenho que jogar de tênis (a trava faz mal ao seu joelho)... Perdi de 7x0 pro time do Iron Maiden, nunca perdi daquele jeito na vida! No futebol, eu gostava de ser o que mais corria pelo time. Seria o guitarrista de um time. Totalmente o oposto do que eu era no rock.

Como você lidava com as regras e os padrões do rock?

Quando tocava, eu era viciado Syd Barrett. Ele, nos primeiros discos do Pink Floyd, fazia um som psicodélico, com desafinações, acordes inexistentes, dissonâncias, mas isso no heavy metal era um tabu. E eu o imitava quando tocava. A galera do metal andava de preto. Eu, de cinza, branco, camisa do São Paulo. Eu fazia tudo do meu jeito, ou seja, nunca fui modista.

Nunca? Isso é, o grupo do metal recriminava a mídia, não?

O rock recriminava a mídia, mas porque era recriminado também. É a reação do ser humano que quer estar lá e não consegue. Eu notava que as pessoas se davam bem com a mídia. O pessoal agitava a cabeça, mexia com a galera - eu nunca fiz isso. Abri um show do Motorhead, Ibirapuera lotado, e aquilo não mudava nada pra mim. Minha relação era com a musica, não com a mídia.

E as questões paralelas às tribos como a do rock, como as drogas e os posicionamentos políticos?

Não tenho nada contra drogas. Só não acho saudável consumi-las. Pra mim, é problema de saúde, e não moral, ainda que seja financiar uma indústria criminosa. No rock aquilo era acessível, mas hoje eu sou mais aberto que naquela época. Não há argumento contra fome, falta de educação e médico. Essas coisas de ser contra fome é um viés teoricamente de esquerda. Mas eu não acredito mais, to descrente na esquerda, na direita, não creio mais em grupos muito grandes com idéias. Creio em pequenas ações e ações individuais. Mais que uma passeata, que já fiz, prefiro fazer algo pequeno sem que ninguém saiba.

Isso quem te ensinou foi o rock?

Quem me ensinou isso foi a idade, e algumas fases em busca de auto-conhecimento. De quem passa momentos de euforia e depressão, tenta conhecer várias religiões. No final você se encontra no que acha ser construtivo ou destrutivo. É assim que eu divido o mundo, ao invés de entre bem ou mal. Eu tento ser construtivo, mas sou às vezes destrutivo comigo mesmo. Politicamente é o que eu penso.

Quem é o Raí do seu rock?

Bruce Dickinson, nascido 25 de agosto de 1958... Eu acho que é essa data (Bruce nasceu dia 7, mas Birner não pôde tentar consertar, pois a resposta foi interrompida. Juca o chamava no ar).

Qual é o seu programa musical atual?


Bem, eu gosto de musica pesada. E o rock perdeu peso, assim como o techno perdeu peso... Sabe onde eu encontro esse peso perdido, hoje? Na bateria da Vai-Vai. Não sei sambar, não compro CD ou camisa, não tenho essa relação. Mas sou viciado na bateria, e fico do lado dela. Prefiro-a a 98% das bandas de rock hoje.

Um rockeiro no samba?

No dia da Vai-Vai desfilar nesse carnaval, eu fiquei vendo na TV, até a escola anterior à Vai-Vai, e saí de casa só pra vê-la. Fui, com bandeira e tudo, pra bancada. Chorei muito, vi o desfile e voltei pra casa. Passei mal com a loucura que foi a forma como ela ganhou esse Carnaval, apertado e no finzinho. Foi como uma Libertadores do São Paulo!

Outro aspecto familiar entre música e futebol, sim?

Em dezembro (dia 23, em férias), mandei uma mensagem pra um amigo. Eu tava no Vai-Vai. Olha a mensagem: “Vai-Vai é sãopaulina. Guarde:minha presença deve ter garantido o título. SPFC Libertadores da América!”. A relação é familiar. Sabe, eu adoraria que a música dos estádios mudasse. Sabe, músicas pesadas, com fumaças coloridas... E não a seleção chatíssima de música, aqueles pagodes altos, que não dão emoção no cenário. Mas nunca tive eco. Tocar U2 no Morumbi já é raro, já é muito.



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