sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Azulão não é Bangu, pafêro

Quando terminei de ler o livro de Flávio Gomes, chamado O Boto do Reno, onde ele conta sobre suas viagens pelo mundo acompanhando a fórmula-1, agradeci o livro (quem não fala com o livro?), pela sua generosidade em me fazer sentir-me viajante. Ter passaporte, dar uma de Dunga e convocar as peças mais importantes para a seleção de coisas de sua mala, ser chique.

Tenho dúvidas sobre a resistência do meu humor para viagens duradouras demais. Gosto de escrever bastante, de pensar, de escrever por dentro (escrevo com o cérebro, leio com o cérebro, e jogo fora em seguida), acho que me dou bem se viajar sozinho. Fazer o quê, meus poucos anos de vida, até agora, não me proporcionaram relevantes ações turísticas, ainda que o livro nos transporte de alguma forma.

Em 2001, foi a primeira vez que saí de São Paulo. Passei 4 dias no Rio de Janeiro. Um inferno. Fiquei perturbado em ter que conviver com carros cujas placas começam com K, L, M. Aquilo era um estupro à minha rotina. Peguei um congestionamento num viaduto nas Laranjeiras, que me fez sentir em São Paulo, apesar das placas. Um carioca vendia biscoitos Globo entre os carros, e comi, claro, biscoito Globo é tão tradicional quanto o Maracanã.

Essa coisa de tradição é complicada. Na praia, quis tomar o tal Chá Mate Leão, ou Limão, sei lá, o chá tradicional. O vendedor não tinha (apesar de gritar "Olha o Mate, mate leããão, ou limããão"), e só no meio de minha degustação eu notei que estava tomando um GuaraPlus. E, claro, GuaraPlus não tem nada a ver com o que eu queria. Cariocas sabem persuadir.

Dormia na Ilha do Governador, e, em quatro dias, estive em todo canto do Rio. Na Ilha, pra tomar banho, meu anfitrião apareceu com uma lista de instruções para ligar o botão, ou "butão". Jamais ouvira falar naquilo. É um tipo de cofre de bronze que fica na parede do banheiro, e, com alguma técnica, você o aciona, e só assim a água do seu banho fica quente.

Perplexo, eu até que tentei. Odeio banho frio. Odeio. Mas o tal aquecedor não ligava, fazia ruídos estranhos, e não consegui ligá-lo. Temi pela morte antes da missão ser cumprida. Ok, fazia muito calor, estávamos em dezembro, mas o banho quente é um item indispensável em minha vida de idiossincrasias.

O Rio é legal. Comi uma pizza maravilhosa, a Coca-Cola é melhor, e a polícia toma conta. Fui querer ver o cristo redentor, às 3 horas da manhã. Inadvertidamente, o Athos preto foi enfiado nas ruelas do barranco que leva ao cristo. Não sei como não morri, pois é claro que o cristo estava fechado, é óbvio que minhas opções de caminho eram idiotamente aleatórias, e, normal, dei de cara com uma turma de rapazes nada amistosos, uma cena de filme, de um Cidade de Deus. Eles tiveram dó, fizeram gracinhas, sugeriram uma volta no dia seguinte. Pude-me ver sendo carbonizado. Fuga.

A polícia cuida, claro. Um Hyundai sinistro no morro do cristo, de madrugada? Claro, no ato, entraram em ação, pararam o carro, pedindo documentos, gentilmente munidos de metralhadoras. Abre-se o porta-malas. Há um carregamento. De bolsas de couro, naturalmente, afinal era o motivo da viagem, uma entrega de bolsas de couro para o natal. Bolsas abertas. Não se acha o pó nem o pacote, nem a pedra. Não se acha explicação plausível para subir no morro. Sei lá, saí vivo.

Mas foi uma viagem bacana. No carro, tinham duas fitas. Legião Urbana ao vivo, e Furacão 2000, essa só para o caminho de volta - lembrança turística da Cidade Maravilhosa. Resumidamente, o silêncio era melhor. Estávamos às vésperas da Final do Brasileirão de 2001, e foi um choque aos cariocas saberem que eu e boa parte dos paulistas odiávamos o São Caetano, e queríamos mais é que o Furacão faturasse o título. "Azulão não é Bangu, pafêro!".

Foi nessa viagem, aliás, que ouvi sobre Robinho pela primeira vez na vida. Um amigo cujo filho era zagueiro dos juniores do Botafogo, contava sobre um amistoso, sei lá se era amistoso, jogo de juniores pra mim é sempre amistoso, em que o Santos veio ao Rio. "Um neguinho, rapaz, do Santos. Robinho. O que ele fazia com a bola... eu fiquei com dó do meu filho". 12 meses depois, o neguinho era Campeão Brasileiro.

Eu moro em São Paulo, e sou crítico da cidade. Não gosto, Não consigo vê-la muito bem. Sou míope para ela. Talvez me falte o olhar turista para com ela. Foi agora, em 2008, que estive hospedado pela primeira vez em um hotel.

Trabalho com carnaval, e, nos dias da festa de Momo, fiquei num espaçoso quarto do lendário hotel San Raphael, no centro. Espetáculo. Me embananei pra preencher a ficha. Não conseguia abrir a porta. Entrei, ufa, e não sabia como ligar a luz. Pensei, tentei, e constatei que tinha que enfiar o cartãozinho no lugar para enfiar o cartãozinho. Enfiei, e a luz ligou. E a TV ligou! Que susto. Que silêncio amedrontador, quebrado por Antero Greco comentando amenidades na telinha.

Vamos lá, relaxe, você está num hotel! Vou tomar um banho. Vejo uma banheira. Meu primeiro banho de banheira? Claro. Não acho o troço para obstruir o ralo. Improviso uma meia. Não consigo ligar o chuveiro, nem a mangueira. A maçaneta da água, ou interruptor, não sei como se chama o botão que faz ligar o chuveiro, é de uma complexidade irritante, e, quando concluo que devo puxar pra trás, puxo. E vem um jato de água gelado na minha cara. Forte, muito forte. Agora, onde esquenta essa água? Nunca soube. Odeio banho frio, abortei minha banheira. Escovei o dente numa pia de água quente, revoltante.

Chega meu parceiro de quarto, bate na porta e eu grito que ela está aberta. Descubro então que porta de hotel não se abre por fora. Acordo e demoro quase 10 minutos para descobrir que é na tal sobreloja que se come o café da manhã. Procurei discretamente uma balança para pesar minha janta, achando que era por quilo. Ri da cara de um amigo que quis jantar ás 4 da madrugada, olha olha, imagina se a cozinha do hotel está aberta. Não dei gorjeta nem deixei carregarem minha mala. Fui embora duas vezes sem deixar a chave na portaria. Um completo asno, em todos os aspectos de todas as atividades que envolvem um hóspede de hotel.

Saída da cidade, hospedagem em hotel, viagem de avião. Não faz muito tempo, fui pra Brasília e encarei uma viagem aérea. Já numa época em que adquiri certo medo por meios de transporte, coisas da vida. 900 por hora, 10 mil metros de altitude, 30 graus negativos do lado de fora do avião. E eu achando o maior barato sobrevoar Araxá, paraíso hospitaleiro onde do alto se avista o sol primeiro, segundo o enredo da Beija-Flor em 2000, eu acho.

4 dias usando terno e gravata e uma perturbadora ausência de relevo, sei lá, qualquer montanhazinha, uma escada que fosse já me era um alento. Tempo seco, o que é um chavão brasiliente, e a aprendizagem-mestra de que, em Brasília, você precisa apenas conhecer o seguinte: eixinho, eixão, tesourinha. Com eixinho, eixão e tesourinha, você se dá bem, chega onde for. A não ser que chova, pois nesse caso as tesourinhas perigam de alagar. Mal deu pra curtir, foi trabalho a beça, mas, enfim, é outra cidade, outra arquitetura, outra fala, outro jeito de apertar a mão e outra forma do garçon colocar coca-cola no seu copo. Eu detesto isso, o preço da coca-cola que eu compro contém o meu prazer de abrir a lata e colocar coca no copo. Se alguém faz isso por mim, quero desconto na minha coca-cola.

Faltam poucas coisas a se conhecer nessa vida, não? Meu próximo destino deve ser Arkansas, nos Estados Unidos. Alguma pessoa desse estado entrou no meu blog 29 vezes nos últimos 35 dias, e eu morro de curiosidade de saber quem é. Não há nenhuma, absolutamente nenhuma pista de quem seja, mas eu o tenho como um amigo. Imagino ele acordando no Arkansas, tomando aquele café-da-manhã típico do Arkansas, ligando seu computador comprado no Arkansas, e timbusca, acessando meu blog.

Esse rapaz, assim como o trio de colombianos que conheci no Parque Antarctica outro dia, fazem parte de meu pacote de intercâmbios.

2 comentários:

Marjorie disse...

Sou cafona... os hotéis em que estive pelo mundo nunca tiveram um botão secreto para aquecer a água. Já vi barata em colchão, mas clic térmico, jamais!

Anônimo disse...

Lê, lê-lo tem sido cada dia mais mais mais mais mais ... engraçado!

Obrigada, MESMO!

Beeeijo (por extenso)

Gabi